“Nós não enxergamos, mas nós vemos”! É assim que a estudante
de Jornalismo da Universidade do Estado de Mato Groso (Unemat), Débora Camila
de Oliveira, 36 anos, quer ser reconhecida. Ela ingressou na Instituição este
ano e está cursando sua primeira disciplina no Núcleo Pedagógico de Rondonópolis.
A coragem para enfrentar os medos e os desafios para iniciar
uma faculdade, mesmo com a cegueira total e com um filho pequeno, veio das
colegas Edilene Benicio Guimarães (26 anos) e Elismárcia Tosta Aguiar Rossi (39
anos), que também têm deficiência visual e são estudantes de Jornalismo da
Unemat, desde novembro de 2021. Além da Débora, o exemplo das duas acadêmicas
motivou Marilene Gomes de Souza, 53 anos, a enfrentar o problema de visão e
encarar a vida acadêmica, apesar de há anos estar longe da escola.
Atualmente, o curso de Jornalismo da Unemat em Rondonópolis
possui quatro acadêmicas com deficiência visual. Elas estudam no período
matutino e contam com o apoio uma das outras, dos demais colegas, professores e
da Instituição que, para auxiliá-las no processo de ensino/aprendizagem, viabilizou
a contratação de ledores e adquiriu notebooks.
Além disso, a coordenação do curso, entrou em contato com o
Instituto Louis Braile, com sede no município, que tem dado orientação aos
professores para auxiliar na preparação das aulas. O objetivo é garantir a maior acessibilidade e inclusão
dessas acadêmicas com melhor aproveitamento do conteúdo.
Mas, quem pensa que o exemplo dessas acadêmicas para por aí,
engana-se. No instituto Louis Braile são vários estudantes que estão animados
para concluir o ensino médio e tentar o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem),
ou mesmo o vestibular, para ingressar na universidade. “Eu mesmo escuto muitas
vezes dos alunos que, se eu posso estudar, eles também podem. Então, fico feliz
por estar incentivando outras pessoas a buscarem seus sonhos”, relata a
acadêmica Edilene.
A partir do ingresso na Unemat, a vida dessas estudantes vem
se modificando para melhor. Elas contam que, além de estarem realizando um
sonho, vêm ganhando maior autonomia e motivação.
Elismárcia, por exemplo, que tem cegueira total, explica que,
quando era criança, antes mesmo de perder a visão, sonhava em trabalhar na
televisão. “Quero ser apresentadora, e vou ser. Não vou desanimar não”, diz.
Além de estar muito feliz com o curso que escolheu, ela conta que tem ganhado
mais autonomia. “Eu venho de ônibus sozinha para a Unemat, saio de casa às 4h30
da manhã. Às vezes, minha mãe fala: pede ajuda. Mas eu preciso fazer isso
sozinha porque, se não tiver alguém pra me ajudar, tenho que fazer. Outro ponto
importante é que eu tenho me soltado mais, interagido com as pessoas, eu era
muito tímida”, relata apontando os ganhos que o ensino superior tem feito na
sua vida.
Já Marilene, que possui baixa visão por conta de um problema
no nervo ótico, explica que por 37 anos trabalhou no ramo da contabilidade.
Entretanto, com o agravamento do problema e o aumento da perda da visão, teve
que se reinventar. Hoje, trabalha como massoterapeuta, realiza cursos e conta
com muito apoio. “Meus filhos estão criados. Ao ver o exemplo das meninas que
tiveram a coragem de começar a universidade, eu me animei também e prestei o seletivo
simplificado especial da Unemat, ingressando neste ano. Claro que estou com um
pouco de medo, porque já estou há mais de 20 anos sem estudar, mas as meninas
me inspiraram e eu estou acreditando que será muito bom”, afirma.
Para Edilene Benício, que além de baixa visão tem sequelas
de três Acidentes Vasculares Cerebral (AVCs), a universidade é um desafio. “Eu
estou procurando me superar. Eu sempre sonhei em fazer uma faculdade pública e,
quando vi a oportunidade que a Unemat estava oferecendo o curso de Jornalismo
aqui em Rondonópolis, pensei: não posso perder essa chance. Então, sai da minha
zona de conforto e tem sido motivador. Além disso, percebo que, com esse meu gesto,
tenho ajudado outros estudantes a também se superar para continuar estudando”,
relata. Edilene, descobriu que tem ceratocone há 19 anos, e a doença tem se
agravado cada vez mais. A acadêmica já possui um curso superior, é secretária
executiva bilíngue e trabalhou em uma universidade particular até o agravamento
da doença. Hoje, encontra no ensino superior uma nova motivação para continuar
se superando.
Já Débora, é casada e mãe de um menino de três anos. Ela
conta que já nasceu com glaucoma e que, aos 14 anos, perdeu a visão de um olho,
com 15 perdeu quase que a totalidade da visão do outro olho. Em novembro de
2020, perdeu os 5% de visão que lhe restavam. “Eu vivia uma frustação quando
tinha baixa visão, porque eu não conseguia realizar o que desejava. Parece que,
agora, um novo mundo se abriu para mim” conta. Consciente do seu papel, Débora
é atuante no Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, e comanda um
programa de rádio web no Instituto Louis Braile. “Eu aprendi a mexer no
computador e fui ficando mais autônoma, mas meu ingresso na universidade se deu
mesmo a partir do exemplo da Edilene e da Elismárcia. Hoje eu sei que ocupo um
lugar de fala, e que nossa voz deve ser ouvida”, diz.
Para Débora, cursar uma universidade vai contribuir para que
ela possa ocupar “espaços de fala”, que tragam aos deficientes visuais a
visibilidade que eles precisam na sociedade. “Nós podemos fazer tudo, só que
fazemos de um modo diferente”, explica.
Contato:
imprensa@unemat.br