ProfHistória

Unemat realiza primeira apresentação póstuma de dissertação da Instituição

Por Hemilia Maia
19/10/2023

(Foto: Design Unemat..)

Foi realizada nesta quarta-feira (18.10), no Câmpus Jane Vanini, da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), em Cáceres, à primeira apresentação póstuma de dissertação da Universidade com transmissão em tempo real. A apresentação do trabalho Território Chiquitano, ensino de uma história de resistência e protagonismo na fronteira Brasil/Bolívia (1970-2018) do professor e ativista indígena Esvanei Matucari Teixeira, foi realizada pelo seu orientador, professor mestre e doutor em História, João Ivo Puhl. 

Esvanei Teixeira era Chiquitano e egresso do curso de História da Unemat e então mestrando do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) na Unemat, em Cáceres, quando veio a falecer em 2021, em decorrência da Covid-19, quando já havia qualificado sua dissertação. A defesa póstuma realizada, agora em 2023, é um ato de reconhecimento in memoriam da Unemat ao produto científico gerado por Esvanei, antes de seu falecimento, prestada com a presença de seus familiares, amigos e colegas de profissão e também um ato de justiça ao pesquisador indígena. 


Professor João Ivo, professora Marli Almeida e a professora e coordenadora do ProfHistória Regiane Custódio

A comissão de avaliação do trabalho, constituída pela professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Joana Aparecida Fernandes Silva, doutora em Antropologia Social e pela professora da Unemat, doutora em História, Marli Auxiliadora de Almeida além do professor João Ivo aprovaram a dissertação. 

“A evolução intelectual do Esvanei foi fantástica. Ele foi se revelando com pesquisas profundas e importantes para o povo Chiquitano e para a região de fronteira Brasil-Bolívia. Quando eu li a dissertação para a defesa que foi cancelada em 2020, por ele não ter passado na prova de proficiência, eu já o havia aprovado. Hoje é um dia muito importante, porque estamos fazendo justiça. Inclusive recomendo a publicação da dissertação dele. A dissertação Território Chiquitano, ensino de uma história de resistência e protagonismo na fronteira Brasil/Bolívia (1970-2018) tem mérito, tem qualidade e preenche os requisitos de outorga do título de Mestre”, frisou Joana Fernandes que também é pesquisadora do povo Chiquitano. 

A professora e pesquisadora ainda levantou a questão de que a Língua Portuguesa deva ser considerada como língua estrangeira para os alunos indígenas, assim como já é considerada em outras universidades. Joana Silva, a professora com quem Esvanei pretendeu fazer mestrado na UFG, mas que declinou por conta da sua aprovação em 1º lugar no concurso para professor do estado de Mato Grosso também falou do autor da obra. “O Esvanei é um exemplo de resistência como o povo dele. Um rapaz que lutou com dificuldades de saúde e que veio de uma formação deficitária, chegar aonde ele chegou e escrever como ele escreveu. Como professor ele problematiza a maneira como as escolas trabalham a diversidade cultural, ele está falando especialmente de Mato Grosso. As escolas para ele são locais de desigualdade cultural e são locais ricos que poderiam permitir a reflexão sobre igualdades. Ele diz assim: ‘A meu ver, a escola não consegue perceber as múltiplas diferenças existentes no espaço escolar e dificilmente conseguirá instrumentalizar os alunos para lidar com as diferenças’. É uma pena que a escola tenha perdido um professor como o Esvanei que poderia contribuir para uma política de convivência das diferenças e de enriquecimento da educação dos alunos. Mas ele deixa um legado, ele deixa uma obra” conclui Joana Fernandes. 

A professora Marli Almeida ainda fez uma menção honrosa à Francisca Matucari, também egressa do curso de História da Unemat, e mãe do professor Esvanei.  Indígena do povo Chiquitano, Francisca morreu vítima da Covid-19, aos 64 anos, no dia 12 de junho de 2021, apenas 21 dias após a morte do filho Esvanei que havia falecido no dia 22 de maio, aos 45 anos de idade. “Essa é uma sessão que nos ensina a ser resistente, a Dona Francisca chegou ao curso de História inspirada pelo filho e me disse ‘Eu vim fazer o curso para me conhecer mais’, e eu faço uma leitura étnica e de resistência de toda sua jornada. A referência de suas memórias como indígena, mulher e mãe, a luta de Dona Francisca para que o filho se desenvolvesse intelectualmente”, destacou Marli. 

Alunos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) assistindo a apresentação da dissertação na Escola Estadual Onze de Março (EEOM), em Cáceres

Seu orientador e amigo, professor João Ivo, contou sua trajetória acadêmica com serenidade, frisando que este era um dia alegre. Rememorou o aluno do curso de História, que tinha dificuldade para andar e problemas com uma enorme timidez até sua transformação em professor, pesquisador e ativista indígena. “Ele foi crescendo como pessoa que se assumia indígena Chiquitano até se transformar num intelectual orgânico no sentido Gramsciniano, que é uma pessoa que tem o conhecimento da realidade do seu povo, que defende e se compromete com esse povo e o Esvanei constrói todo o saber dele para contribuir com esse povo. Ele assumiu o compromisso social de produzir uma historiografia com conhecimento de sustentação que desse fundamento à luta do Povo Chiquitano. Do seu nascimento a morte, o nome do Esvanei é superação, sua maior qualidade foi nunca perder a esperança e sua marca a perseverança, ele não desistia de nada, ele era perseverante em tudo. Das pessoas que perdi durante a pandemia ele e sua mãe, a Dona Francisca, foram as que mais senti”, declarou João Ivo. 

Francisca e Esvanei Matucari - Arquivo pessoal

A professora Marli Almeida explicou que a resolução que permitiu essa apresentação e diplomação póstuma nasce na Unemat após o pedido da família do Esvanei. Reconhece no trabalho dele, num programa de mestrado profissional, uma dissertação que atende ao que se propõe no sentido de aproximar escola e universidade e o quanto é propositiva em romper barreiras e quebrar preconceitos. “Além de ter sido resistente Esvanei foi muito atual usando recursos digitais para ensinar História”, destacou referindo-se ao quarto capítulo da dissertação onde Esvanei propõe um mapa digital interativo com a existência e localização dos Chiquitanos que foram condenados por um século à invisibilidade pelo próprio Estado. 

Cristiane Matucari Lara, irmã de Esvanei, falou que o irmão foi inspiração para toda família por sua luta e coragem. Ela contou que ele começou a andar apenas aos 12 anos de idade em decorrência da paralisia infantil e da luta que a mãe travou para provar que o irmão não tinha deficiência intelectual. A Dona Francisca perseverou até conseguir transferi-lo da Apae para uma escola regular. Cristiane também leu o requerimento, muito comovente, escrito pelo irmão alguns meses antes de morrer, quando estava muito doente, antes mesmo da Covid, onde pedia novo prazo para conseguir obter a proficiência e poder defender sua dissertação de mestrado e o quanto isso significava para ele.


“Hoje eu posso falar. Esvanei você conseguiu. Primeiro professor mestre Chiquitano. Um exemplo!”, desabafou Cristiane emocionada. A família de Esvanei receberá, em até 90 dias, seu certificado póstumo.   

Cristiane Matucari Lara 












A trajetória acadêmica de Esvanei foi percorrida na Unemat, onde além da realização do mestrado, fez graduação em História, (2000/2004) e especialização em Políticas Públicas e Controle do Social do Estado em (2010/2014), quando defendeu a monografia Índios não: Política de desterritorialização do povo Chiquitano em Vila Bela da Santíssima Trindade-MT (1970-2008). Como professor também foi supervisor do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) onde recebia alunos de graduação em História, numa interlocução entre universidade e escola. Esvanei era atuante em movimentos sociais, ativista indígena com uma história de luta e enfrentamento. O professor ainda foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público (Sintep) da Subsede Vila Bela da Santíssima Trindade, presidente da ONG Juventude Organizada em Educação e Ação e vice-presidente da Associação dos Portadores de Necessidades Especiais de Cáceres (Apnec).

Participaram da sessão a coordenadora do ProfHistória professora Regiane Cristina Custódio responsável pela realização da sessão e seu antecessor, professor Osvaldo Mariotto Cerezer, que coorientou a dissertação.


Esvanei na infância quando ainda não andava - Arquivo pessoal

A Resolução Nº 050/2021 – CONSUNI regulamenta, no âmbito da Universidade do Estado de Mato Grosso Carlos Alberto Reyes Maldonado, a apresentação e diplomação póstuma de Trabalho de Conclusão de Curso, Dissertações e Teses.

 

 Território Chiquitano, ensino de uma história de resistência e protagonismo na fronteira Brasil/Bolívia (1970-2018)

MATUCARI, Esvanei Teixeira. TERRITÓRIO CHIQUITANO: Ensino de uma História de Resistência e Protagonismo na Fronteira Brasil/Bolívia (1970-2018). 120F Dissertação (Mestrado Profissional em Rede Nacional PROFHISTÓRIA). Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade do Estado de Mato Grosso, Cáceres-MT, 2018.

 

Resumo

 

A dissertação resultado da pesquisa intitulada TERRITÓRIO CHIQUITANO: Ensino de uma História de Resistência e Protagonismo na Fronteira Brasil/Bolívia (1970-2018) no programa de mestrado PROFHISTÓRIA da UNEMAT abordou a longa duração da História dos Chiquitos, somente quando houve necessidade de informações a respeito de tempos anteriores. As memórias destes remanescentes de Chiquitos desapareceram da documentação e da maior parte da historiografia em Mato Grosso e Brasil ao longo do tempo com um importante ressurgimento no início do século XXI. A metodologia utilizada foi a pesquisa acadêmica estudando detalhadamente fontes bibliográficas e documentais encontrados na biblioteca, museu e arquivos pessoais e de outros pesquisadores para rastrear indícios deixados no tempo sobre e pelos Chiquitano. A proposta do ProfHistória é o aperfeiçoamento do professor historiador que simultaneamente pesquisa e ensina história e historiografia. Esta dissertação resenhou parte da historiografia e outras fontes sobre a História do povo Chiquitano em Mato Grosso para elaborar material didático pedagógico de ensino de História indígena nas escolas fundamentais no município de Cáceres, a partir deste povo. Neste sentido a legislação e o programa de mestrado exigem que o professor de História trabalhe a história e cultura indígenas na escola, conforme a Lei 11.645/08. Este texto dissertativo foi apresentado e avaliado na banca junto com um produto didático pedagógico para o ensino da história indígena chiquitana. O ensino fundamental e médio escolar, capacita os alunos a pensar de forma abstrata, interpretando, analisando, hipotetizando, criticando os fenômenos históricos como processos sociais produzidos pelos seres humanos ao longo do tempo de suas vidas. Os estudantes poderão compreender que são sujeitos do grupo social do qual fazem parte na dinâmica histórico-social no tempo presente. Em vista disto elaboramos o texto da dissertação e um Mapa Interativo didático-pedagógico que apresenta estas informações em formato Digital, para o ensino escolar da história indígena Chiquitana. O Mapa Interativo disponibiliza dados historiográficos sobre o povo Chiquitano. A apresentação didática possibilita a busca e visualização da informação de acordo com os interesses específicos dos estudantes. Propõe diferentes formas de exploração dos dados, com várias camadas de informação. No mapa o acesso às informações sobre as Comunidades chiquitanas no Estado de Mato Grosso pode ser realizada a partir de um clic. Ferramenta digital que mapeia as Comunidades Chiquitanas identificadas na faixa da fronteira internacional e nos bairros da cidade de Cáceres oferece informações da sua história e práticas culturais. O ressurgimento dos Chiquitano como grupo étnico em Cáceres, começou a ficar mais visível a partir de 2004 quando algumas comunidades rurais foram reconhecidas como indígenas no Brasil. Naquele momento houve um movimento de retomada da identidade sociocultural e política com a realização de atividades pela FUNAI e outros parceiros. Aconteceu também uma mobilização de políticos e fazendeiros contrária, explicitando o conflito. As identidades negativas de “índio” e “bugre”, foram substituídas pela apropriação do conceito indígena como nativo do lugar ou originário. Este é um processo de ressignificação em andamento. Palavras – Chave: Chiquitano, História, Ensino

 

Capítulo I História do povo Chiquitano a ser ensinada nas escolas

Capítulo II Índios contemporâneos no oeste de Mato Grosso

Capítulo III A guerra da negação da identidade indígena

Capítulo IV Aldeias e comunidades Chiquitano em Mato Grosso

Em breve sua dissertação estará disponível para consulta na Unemat.


Assessoria de Comunicação - Unemat

Contato:
imprensa@unemat.br

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